Episódio 6: Valorizar nossa religião com nosso acarajé 

TRANSCRIÇÃO EM PORTUGUES

Jamie Andreson Bem-vindes ao podcast bilíngue Conexões Culturais Brasil.  Meu nome é Jamie Lee Andreson, e sou a criadora desse projeto. Para esse último episódio, “Valorizar nossa religião com nosso acarajé” da primeira temporada, Baianas em foco, recebemos duas mulheres incríveis. Temos a apresentadora convidada Vanessa Castañeda. Ela é uma pesquisadora interdisciplinar que recentemente terminou seu doutorado em estudos latinoamericanos na Tulane University com uma pesquisa sobre a política cotidiana das Baianas e da Associação Nacional das Baianas de Acarajé. Vanessa começou sua pesquisa em 2013 e vai continuar sua convivência, amizade e relação acadêmica por muitos anos na frente. Bem-vinda Vanessa!  

Vanessa Castañeda Obrigada, uma honra estar aqui com vocês. 

JA E temos a entrevistada Tânia Pereira de Jesus. Ela é uma Baiana de acarajé, Ialorixá Toya e técnica de enfermagem—uma mãe, uma mulher, uma amiga. Muito bem-vinda e prazer, Tânia. 


Neste último episódio da nossa primeira temporada, Baianas em Foco, recebemos a entrevistadora convidada Dra. Vanessa Castañeda para realizar a entrevista com Tânia Pereira de Jesus, uma Baiana de acarajé e Iyalorixá Toya. Tânia apresenta sua trajetória como Baiana de tabuleiro, a herança religiosa do acarajé e as diferenças entre o acará de terreiro e o acarajé do tabuleiro. Elas conversam sobre ABAM – a Associação de Baianas de Acarajé e a articulação das Baianas nas políticas de cultura no Brasil, considerando as conquistas passadas e os desafios atuais da pandemia. 

Tânia Pereira de Jesus Bom dia. O prazer é todo meu. A mãe Iansã que abençõe, que é a mulher, que é o orixá responsável pelo acarajé, que abre nossos caminhos que protege vocês. 

JA Gratidão. Então para essa entrevista, recebemos Vanessa para realizar a conversa com Tânia e apresentar também sua relação com as Baianas de acarajé de Salvador. Então Vanessa, muito obrigada pela participação. 

VC Obrigada, obrigada. E obrigada, Tânia, por aceitar esse convite e por sempre dar seu carinho, sua sabedoria, seu amor, não só aos seus clientes do tabuleiro, mas a todo mundo. Então estou muito grata por estar aqui em conversa com você. E também obrigada Jamie por sempre apoiar tantas mulheres por todo mundo numa maneira acadêmica, numa maneira platônica e tal. Muito obrigada. 

Então a Tânia, eu queria perguntar para você: você...como foi que você começou sua trajetória como Baiana acarajé? Como foi que você aprendeu, começou a vender acarajé pela rua? Fala sua história para a gente. 

TPJ Bem. Eu sou funcionária pública. E pelo período da vida, a gente tem altos e baixos. E um período da minha vida eu passei por dificuldade. Uma filha de Iemanjá, eu moro próxima a praia. Fui à praia, e conversei com minha mãe Iemanjá. Me desse um caminho de eu sair daquela situação. Me encaminhasse para que eu pudesse sair naquele momento porque o importante era mim ganhar um dinheiro para sustentar minha família. E o pior é que eu não queria aceitar ser Iyalorixá. Eu era feita já, obrigações, mas não queria ser...assumir cargo de Iyalorixá. E passei por grandes dificuldades. Conversando com minha mãe Iemanjá na frente da praia da Boca do Rio quando eu voltei para casa, eu virei do mar para frente. Eu me vi sentada na esquadra de esporte vendendo acarajé. Cheguei no terreiro da minha mãe de santa que fica próximo, e disse eu vou vender acarajé. Não sabia vender acarajé à rua. Sabia fazer para o terreiro, que é diferente, e parti pegando tudo da mãe de santo—tabuleiro, tempero, roupa. Um dia, uma irmã de santo me levou no mato pra pegar a folha de banana, porque tudo é vendido. Quando chegou no mato fechado aqui na bolandeira na Boca do Rio mesmo, ela começou a cortar as palhas, as folhas de banana, e as palhas secas da banana. Faz um fogo pra queimar para a banana, a folha, fique molinha, desidrate e a gente consiga manusear. Quando eu vi aquele fogo, pra botar essa palha. Ah minha filha. Eu comecei a chorar. A minha irmã de santo a Ekedi, [Maria] das Dores, ela: “Olha, cale a sua boca, que o fogo tá apagando! Eu nunca tive meu fogo apagado no mato.” Mas minha filha, até hoje em todos os momentos eu conto essa história porque foi marcante. Foi o início de muitas coisas. Comecei a vender, e um dinheiro para comprar uma coisa, não tinha outra, e aí pro ponto para vender naquela época 50 centavos. Não tinha dinheiro para comprar tomates, esperava vender um acarajé para mandar buscar o tomate. E desde que o cliente dizia: “Ô, desculpe, esqueci a salada, o menino já tá vindo”, mas era porque não tinha mesmo. Um dia, na televisão, no jornal, apareceu uma notícia chamando Baianas de acarajé para uma reunião num hotel. Eu fui. E aí eu conheci na época atual Clarice, que era Presidenta da ABA. Era ABA. E aí me envolvi. Comecei a me envolver porque ela está em Itapuã. Próximo ao posto de saúde, onde eu trabalhava, e ela morava, comecei a me envolver. Fazia eventos sem experiência. Pegava roupa da minha mãe de santo, que gosta da folia de arrumar a gente, de está dando segurança, dando um apoio que eu comecei a minha vida. Hoje eu agradeço o que tenho. Com selo de acarajé 10. Tenho muitos cursos que é muito importante, muito conhecimento, aprendi muita coisa, fui candidata entre as 250 candidatas Baianas. Fiquei nas finalistas do símbolo da Baiana de acarajé do carnaval homenagem, fiquei entre as 10. E para mim, foi um orgulho, né, porque participar como símbolo do carnaval a gente fica com o nome. Minha mãe dizia que morre o homem mas fica o nome. Então eu aprendi muito com o acarajé. Aprendo a cada dia. Estou sempre aberta ao novo, tanto no acarajé como na vida como na profissão como no dia-a-dia, na religião. A gente nunca sabe tudo. Então é um prazer imenso ser Baiana de acarajé, receber, fazer acarajé. Aqui a pessoa come com satisfação. É muito gratificante. O acarajé, o alimento da nossa Mãe Iansã, que significa… o acará—bolo de fogo, je—comer. Então, é muito importante a gente fazer essa cultura nossa, preservar nossa cultura dos nossos orixás. 


Tânia Pereira com Vanessa Castañeda em Salvador, Bahia. 

VC Obrigada Tânia. Que lindo! Eu fiquei toda arrepiada aqui ouvindo sua história. E uma coisa que você falou que eu achei muito lindo é como você entrou no ofício, na profissão de Baiana de acarajé através do axé, né, através do candomblé, que você ficou conversando com Iemanjá, e aí foi onde você recebeu, né, esse caminho de começar vender acarajé. Então, pode falar sobre a diferença entre o acarajé do terreiro e o acarajé vendido na rua? Porque eu acho que muitas pessoas, especialmente os turistas, né, que chegam no tabuleiro e comem o acarajé não sabem se tem uma diferença entre a comida profana e a comida sagrada. E você que está dentro do axé, você pode falar um pouquinho sobre isso? 


TPJ Sim, o acarajé, a história do acarajé, ou as Baianas de ganho — as primeiras empreendedoras, que vendiam acarajé, vendiam suas iguarias para muitas para comprarem as cartas de alforria de suas familiares, e muito para ajudar os senhores de engenho, das suas quitutes.... E o acarajé antigamente era vendido numa gamela com pimenta. Daquela saia mercando... Depois passou a fritar... na escadaria, numa praça. E daí foi começando a surgir os tabuleiros, né, o acarajé, depois surgindo a cocada, né foi surgindo.  foi colocando no tabuleiro. Mas a diferença de nosso acarajé no terreiro que a gente vender é que nosso acarajé no terreiro, ele só é o acará para ser oferecido ao orixá e as pessoas, ele é servido puro. Certo? Para Iansã. Para Iansã. Para Iansã e para Xangô. Nos enfeitamos com camarões grandes, bonitos em cima. O acará, ele é redondo. De Iansã. E o Acará de xangô que é meio comprido, meio oval. Entao a diferença do  homem orixá, certo? E um tabuleiro tem muitas complementações né. Tem a pimenta, tem a salada, tem o camarão, que foram sendo  o vatapá e o caruru. A salada, ela surgiu nos anos quando tivemos problema com camarão então a salada entrou para ser mais um item para ajudar, mas não faz parte.


" Aprendo a cada dia. Estou sempre aberta ao novo, tanto no acarajé como na vida como na profissão como no dia-a-dia, na religião. A gente nunca sabe tudo. Então é um prazer imenso ser Baiana de acarajé, receber, fazer acarajé. Aqui a pessoa come com satisfação. É muito gratificante."

Tânia Pereira

VC Você falou um pouquinho antes que você tinha aprendido como fazer como preparar acarajé no terreiro, né, mas depois você fez curso com ABAM, né. 

TPJ É, aí na ABAM, a gente tem vários cursos para qualificação, de manuseio, de alimento, e isso é uma questão para trabalhar com as pessoas com a comida de rua, com o acarajé na rua, na questão do higiene, da manuseio, de qualificação, de manipulação dos alimentos para ter o alimento na rua de qualidade, entendeu, adequado para a população. Hoje já não perde massa porque antigamente não tinha questão de gelo , né, de massa azedar. Hoje a gente tem cooler, a gente tem o gelo que a gente leva à salada que evita azedar, tomar sol.  Então essas coisas foi modernizando. E a gente tem mais a estar  aberto a aprender, né, a aprender a dar se qualificando para oferecer um alimento de qualidade. No Terreiro é diferente porque a gente faz aquele acará que é servido nas festas frio, né. A gente faz e Iansã distribui na gamela, como é na festa de Iansã, ela sai com o acará na gamela distribuindo. Se for um caruru, ele vai estar alí frio colocar nos pratos. Então a diferença é bem grande do acará do terreiro e do acará na rua. Na rua, as pessoas querem o acará já quentinho, então a gente frita alí e o pessoal come quente na hora. E no terreiro, a gente frita, arruma, oferece no quarto de santo o acará de Iansã e de Xangô e aos outros nós oferecemos as visitas frio. É no decorrer da festa da hora do momento do ajeum. 

VC Uma coisa que eu achei importante falar é que você falou que as Baianas de acarajé são profissionais, né, porque têm que fazer cursos de higiene, de manipulações, de alimentos, de qualidade, de educação financeira. Então, as Baianas de acarajé são profissionais. São educadas, informadas, né, e você também falou que a Baianas de acarajé têm que manter uma certa grau de tradição, né, porque é uma figura muito importante cultural, mas também têm que se modernizar, ficar aberta, né a aprendizagem, né.  

TPJ Assim, antigamente o acarajé era vendido pelas filhas de Iansã que eram escolhidas para fazer, vender o acarajé para pagar suas obrigações. O mingau eram as filhas de Nanã que eram escolhidas para vender mingau. E muitas filhas de Iansã eram escolhidas para vender fato. Que hoje já não tem mais, fateira--é uma tradição que acabou. O fato era vendido pelas filhas de Iansã também. E ficavam na frente do açougue e vendia fato. Hoje já não temos mais essas mulheres mais fateiras mas a tradição do acarajé permaneceu. E os cursos hoje para a Baiana de acarajé profissionalizou as Baianas. Nós temos como Baiana de acarajé vários cursos. O acarajé hoje é tombado, certo, ele é tombado pelo IPHAN pelo patrimônio material, imortal do Brasil do IPHAN. Então tudo isso só faz crescer e valorizar a nossa profissão de Baiana de acarajé e valorizar a nossa religião. Porque desde que a gente passa a ter um conhecimento não mudamos a tradição dentro do candomblé. Tanto que, não mudando a tradição do acarajé mas sim valorizando com nosso trabalho enquanto profissional Baiana de acarajé. 

VC Eu acho isso também muito importante falar sobre como o ofício da Baiana é reconhecido como patrimônio imaterial. E eu acho que ter esse reconhecimento como você falou ajuda, né, para as pessoas valorizarem, né, as Baianas de acarajé. Você acha que sendo patrimônio imaterial tem feito alguma diferença com a sociedade em valorizar o ofício, as Baianas, o trabalho, a profissão? Você pode falar um pouquinho sobre sua experiência antes do patrimônio e depois do patrimônio, se teve alguma diferença na sociedade? 

TPJ Sim, muita diferença principalmente a Associação. A Associação ela cresceu muito nesses anos, né. Tivemos três presidentas.

Estamos com Rita que é uma mulher guerreira, Rita Ventura, nossa presidenta que luta muito. Vestiu mesmo,  É uma Baiana carioca, porque Rita não é Baiana mas é apaixonada pela Bahia. Se apaixonou pela Baiana. E ela é uma mulher que vestiu a roupa da Baiana, certo? Ela luta com muito amor pra que as Baianas consiga tudo, para que consiga dignidade, consiga muitas vitórias, muitas coisas, muitos progressos, que a gente conseguiu nessa gestão passada, porque Rita continua, e que eu sei que ela ainda vai conseguir muito mais pra a Associação das Baianas. Ela é uma mulher guerreira. Então a gente só tem mais a crescer e procurar nos respeitar também. As Baianas que vendem hoje, elas tem um olhar diferenciado, as pessoas já tem um olhar diferenciado pras Baianas, pras Baianas que ficam no Pelourinho. Certo? Então tudo isso é um diferencial pra valorizar e desde quando valoriza, o profissional valoriza também o produto. E esse produto é o que? É a nossa religião por nosso acarajé. E só a gente vai e volta, mas voltamos no centro do acarajé. Né isso? O acarajé ele está envolvido. Quem não chega em Salvador, pisou no aeroporto, na rodoviária, quer ver logo uma Baiana? E isso a gente tem que valorizar porque tem Baianas conhecidas mas tem Baianas de bairro com produtos maravilhosos. Tem Baianas de bairros pequenos que não são conhecidas e que seu produto é  muito bom. Então essas Baianas elas têm que tá, também receber apoio. Para que ela se desenvolva, que ela cresça, que o produto dela ganhou, que ela seja empresária, que o produto dela seja qualificado, que o produto dela seja valorizado. Certo? Porque tem pessoas que hoje vendem acarajé por necessidade. Eu entrei a vender acarajé por necessidade financeira. Mas tem pessoas que realmente é com necessidade aprendeu com fulano, aprendeu no dia dia e cada dia que passa a gente vai fazendo o melhor.


"O acarajé hoje é tombado, certo, ele é tombado pelo IPHAN pelo patrimônio imaterial do Brasil do IPHAN. Então tudo isso só faz crescer e valorizar a nossa profissão de Baiana de acarajé e valorizar a nossa religião."

Tânia Pereira


VC Sim, e uma coisa que você falou que achei muito importante é sobre as Baianas de bairro, que você falou precisam de apoio, e é verdade porque muitas vezes elas estão com dificuldades financeiras, e não recebem o mesmo apoio nem o mesmo olhar de carinho como as outras Baianas mais conhecidas de lugares mais turísticos. Você né, tem um olhar bem...um desejo para unir todas as Baianas para todo mundo ser uma solidariedade, né.

TPJ Sim, porque se uma crescendo vai estar valorizando. Se um acarajé de uma Baiana de bairro é bom, está fazendo que, está valorizando o nosso alimento, o alimento do orixá. Porque o acarajé é de orixá. Ele é de uma origem religiosa. E a gente tem que tentar preservar, não pode deixar se perder essa questão da religiosidade. Ele tem que está ligado à religião. A gente tem que tá sempre preservando a religião, a matriz africana. 

VC É, as Baianas de acarajé, elas são...elas são muito complexas porque as Baianas de acarajé são figuras culturais, são veículos religiosos, são microempreendedoras, são muitas coisas, são mães muitas vezes, né. Então a Baiana de acarajé é uma pessoa super importantíssima para a cultura e a história e a história de resistência, né, na Bahia e no Brasil. 

TPJ É, e o tabuleiro, a Baiana de acarajé de tabuleiro ela passa ser mãe, amiga, psicóloga, professora. Porque? Além do tabuleiro a gente conhece gente, pessoas que sentam, que confessam que se desabafa. O tabuleiro muitas vezes é um tabuleiro de psicologia. Entendeu? Porque a gente ouve muito caso, muita coisa. E a gente sempre tem um conselho pra dar. 

VC Isso é verdade. Isso é verdade.

TPJ Tem uma coisa. Chega às vezes uma pessoa. Pede um acarajé. E a gente nunca nega. A religião do Candomblé é a religião que mais alimenta no mundo. Porque na religião do candomblé tudo que tem é dividido. Tem uma festa, sempre tem alguma coisa a oferecer. E a mesma coisa é o tabuleiro. Sempre tem alguém que pede um acarajé e a gente não deixa de dar.

VC Isso é uma coisa que eu vi quando eu estava lá que eu vi muitas Baianas de tabuleiro. Se alguém chegar no tabuleiro dela e falar que está sem dinheiro, eu vi muitas vezes as Baianas prepararem algum acarajezinho para ele, que mesmo assim sem dinheiro vai compartilhar. Vai dar. 

TPJ Isso. Porque às vezes é o próprio orixá nos testando. Certo? [Risadas]. Aí a gente não pode negar. Se alguém está com fome, você tem que alimentar. Certo? Então, um acarajé que ele saia comendo, ele vai trazer outro. Porque alguém, ele vai andar, né, e naquele andar, alguém vai sentir aquele cheiro do acarajé e alguém vai querer comprar. Andar. Vai ganhar caminho de prosperidade. E a gente vai receber mais cliente. 

VC Eu achei uma maneira muito bonita de pensar sobre isso, né? Se você dar, você vai receber ainda mais, né. 

TPJ Com certeza.


Acarajés sendo fritas no azeite de dendê

VC Só para finalizar, só queria perguntar mais uma perguntinha porque agora a gente está em um momento muito delicado com a pandemia que você falou até que ficou com COVID duas vezes, que sua filha foi internada. Então, eu sei que também no Brasil a situação está muito difícil--em todo mundo, né--e como tem a pandemia...como tem afetado você ou as Baianas de acarajé, o ofício? Como está a situação agora com a pandemia? 

TPJ Olha, a pandemia afetou muito as Baianas, principalmente as Baianas de praia, Baianas de praça. Eu vendo na praça. Meu ponto é praça. Já era difícil a praça. Agora é pior. Eventos, Baiana de eventos está difícil porque os eventos estão suspensos. E tem Baianas, como Baianas de bairros, Baianas mais... não muito favorecida. Está  passando dificuldade. A Baiana que só tem o tabuleiro como trabalho, por trás dessa Baiana existe uma família. Existem filhos, existem netos. Tem Baianas que com tabuleiro sustentam filhos e netos. Então essas Baianas estão passando dificuldade. Tem Baianas que estão passando muita dificuldade. Aqui teve uma cidade que teve Baianas que foram para o estádio porque não podiam pagar casa. Foram despejadas das casas. Certo? Então, tem Baianas que estão passando realmente, passou dificuldades. Rita Ventura, a presidenta, ela fez muita campanha, distribuiu muitas cestas, tivemos muita parceira, tivemos parceria com Coca Cola, para ajudar a Baiana voltar a trabalhar. Eu sempre, por mais que se faça, é uma gotinha de água no oceano, né? Não consegue contemplar a todas, que tem Baianas que a gente nem sabe que a Associação não consegue abraçar todas. Ah, todas as Baianas são associadas, todas as Baianas a gente conhece—não. É difícil. A gente não vai dizer isso. A Baiana era a primeira empresária mulher Baiana de Acarajé, né? Então fica muito difícil a gente conseguir contemplar todas. Mas um pouquinho, uma gotinha no oceano a gente consegue fazer.

VC Com certeza porque até tem Baianas que decidiram vender agora, né, que a Associação não sabe que elas existem. Por que tem miles [milhares], três mil, talvez quase quatro mil Baianas, né, em Salvador. Tem muitas.

TPJ Muito mais, porque tem Baianas de alguns bairros de algumas ruas que não têm acesso, né, a gente tá, porque não vai dizer que a Associação vai entrar em todos, está em todos, não. É uma que conhece e vai chamar na outra, né. Até tem aquelas que aceitam e tem aquelas que não aceitam e que [dizem], “não eu vendo aqui na minha porta dentro de casa, tá…” 

VC E uma coisa que eu achei interessante é que as Baianas também as Baianas de tabuleiro, elas são pessoas sociais, né. Porque quando você vai para a rua, como você falou, você é professora, você é psicóloga, você mãe, você amiga, pessoas chegam e falam, “Oi, Baiana, como cê tá?” Dá abraço, fica ali sentado comendo o acarajé. Então, eu achei que deveria ser muito difícil, né, para o espírito da Baiana com essa pandemia, não poder sair na rua, sentir as energias dos clientes, esse carinho. Eu achei que deveria ser uma coisa também difícil de ficar em casa sozinha sem poder, né, compartilhar essas energias boas com pessoal na rua. 

TPJ Sim, isso contribui muito de muitas Baianas estarem com depressão, né, e além da pandemia tivemos muitas percas de Baiana, né. Perdemos muitos colegas para COVID, né, perdemos muitas amigas. E a gente sente falta desse acolhimento, desse abraçar. A gente gosta de abraçar, né, a Baiana gosta de sorrir. Qual é a primeira cartão da Baiana de acarajé? E da Baiana receptiva? É o sorriso. Hoje o nosso sorriso é com os olhos, né. Nos sorrimos com os olhos, porque a máscara não nos deixa. É difícil. Então, muitas Baianas estão com depressão por estar em casa, não poder estar aí, por estar com dificuldade, entendeu? Então, é muito, muito, muito depressivo. 

VC Então, a Tânia, eu para finalizar, eu só queria pedir para você, porque você vai ter pessoas aqui ouvindo que não conhece, né, muito a cultura baiana, né. Você gostaria de falar alguma coisa sobre as Baianas, sobre o acarajé, o ofício? Só para as pessoas poderem saber um pouquinho melhor sobre a cultura, a história, a tradição, a realidade. Você pode falar qualquer coisa que você acha importante? 


TPJ É uma satisfação ser uma Baiana de acarajé. A gente se arrumar bonita para receber, que o tabuleiro é a nossa sala da nossa casa. O tabuleiro representa nosso trabalho. Então, ali é o tabuleiro bem arrumado. É a nossa sala recebemos nossos visitantes. Certo? É o nosso Ilê. Como se fosse o barracão que nós estamos ali com todas as iguarias que quase oferecemos no acarajé, abará, cocada. E algumas iguarias que vatapá, caruru que foi agregado no tabuleiro. Temos o bolinho de estudante, né, que é com tapioca, passado frito, passado na canela com açúcar que é uma maravilha, e era bolinho, chama bolinho de estudante, que era a coisa mais barata que existia no tabuleiro naquela época quando começou. E os estudantes pudessem comprar que era baratinho, então passou a ser bolinho de estudante, apesar que ele tem outro apelido, pelas Baianas de antigamente. Ok? Segundo, dizem que foi dado pelo estudante, ele dá a faculdade da UFBA. É uma satisfação o tabuleiro, é uma satisfação se vestir, é uma satisfação estar bonita para receber nossos clientes, nossos amigos, tirar uma foto, termos o tabuleiro bonito, fotografar, divulgar nosso trabalho. E agradecer ao orixá, agradecer ao orixá Iansã por nos dar força, o Xangô, de vender nosso acarajé, divulgar nossa religião.  

VC Que lindo, muito obrigada Tânia. Foi maravilhoso conversar. Eu agradeço muito. E não vejo a hora de voltar e comer acarajé lá com vocês de novo. Dessa vez, eu quero ajudar você a preparar tudo. 

TPJ Espero lhe ver parabenizo vocês, pelo trabalho, pela divulgação da nossa cultura, do acarajé das Baianas de acarajé, pelo estudo porque a gente tem a parte cultural e vocês têm a parte didática, a parte didática: um documentário, que é muito bom, fazer um documentário para contar nossas histórias. 

VC Com certeza. É importante fazer isso junto. 

TPJ Parabenizo vocês pelo estudo, né. Quero estar acompanhando sempre. Continuo ali acompanhando. Parabenizo a sua orientadora, a sua amiga, e estou à disposição de vocês para que eu pode. Né.  Eu não sei, a gente nunca sabe tudo. Todo dia que o dia amanhece, a vida tem uma caixa de surpresa. Todo dia a gente abre uma. E nessa caixa a gente tem várias surpresas. Então, é isso. Adupé orixá, Adupé a minha mãe Iansã, Adupé a vocês, que quer dizer muito obrigada. 

VC Muito obrigada a você, como em espanhol, muchisimas gracias.


Tânia Pereira no seu tabuleiro durante a pandemia. Salvador, Brasil. 

Closing credits

Esse episódio foi gravado entre Jamie Lee Andreson, Vanessa Castañeda e Tânia Pereira de Jesus. Por dificuldades técnicas, tivemos que trocar a gravação no início da conversa e adaptar a qualidade da ligação. Com essas dificuldades, a edição do áudio foi realizada por mim.

Agradeço também o apoio de nossa equipe do Brasil Culture Connections, as estagiárias da Pennsylvania State University, Amanda Talbot, Madeleine Tenny, Belle Hattingh e também o apoio técnico de Jonatas Borges Campelo. A música se chama “Brazilian Capoeira Dance” por Akashic Records, com uso livre.

Com esse episódio fechamos a primeira temporada Baianas em Foco. Temos seis episódios disponíveis nas plataformas streaming de Spotify, Apple, Google e Anchor. Estaremos de volta no ano que vem com a segunda temporada.

Por favor, nos acompanhem pelas redes @brazilcultureconnections e não esqueçam que temos as transcrições completas das entrevistas e suas traduções para o inglês em nosso site, brazilcultureconnections.wordpress.com.

Muito obrigada pela atenção, o apoio e a divulgação! Thank you very much!