PISODIO 5:  Xodó de mamãe: uma história do samba  

TRANSCRIÇÃO EM PORTUGUES

Jamie Andreson Sejam bem vindes a nosso podcast bilíngue Conexões Culturais Brasil. Meu nome é Jamie Lee Andreson, sou a criadora desse projeto e junto com uma equipe de estagiárias da Universidade Estadual da Pensilvânia, apresentamos entrevistas inéditas com artistas, lideranças e pensadores brasileiros junto com traduções de todos os materiais para a língua inglesa, oferecendo novo conteúdo para a mídia e educação.

Esse nosso quinto episódio se chama "Xodó de mamãe: uma história do samba” e é o penúltimo da primeira temporada Baianas em Foco. Para esse episódio conversei com a mestra de samba Dona Nildes Bomfim e sua filha Mileide Bomfim, duas mulheres importantíssimas para a manutenção da tradição familiar do samba de roda baiano em seu município de Camaçari. Tive o prazer de conhecer elas e assistir seu Grupo Cultural Espermacete quando morava em Camaçari, a cidade natal de meu marido, minha sogra, meus cunhados e meus sobrinhos. Foi uma conversa rica sobre suas linhagens familiares, a cultura do samba do litoral norte baiano, o enredo de suas músicas e danças, e como gerenciar esse negócio familiar para manter a cultura popular. 



Esse quinto episódio apresenta a mestra de samba Dona Nildes Bomfim e sua filha Mileide Bomfim, duas mulheres importantíssimas para a manutenção da tradição familiar do samba de roda baiano em seu município de Camaçari. Dona Nildes e Mila não são apenas músicas, cantoras e dançarinas, elas também são produtoras, diretoras e administratoras. Discutimos seu grupo de samba Espermacete, que não trabalha apenas com música mas também com trabalhos sociais, tradições familiares e a preservação da cultura popular. 

Dona Nildes Bomfim  Bom dia! Meu nome é Anatanildes, conhecida como Nildes, né, mestra do Grupo Cultural Espermacete, onde venho como mestra, presidente, organizadora e tudo mais do Grupo Cultural Espermacete. Esse grupo já é de gerações...vem de gerações. Eu já sou a quarta geração, que tudo começou por meu avô Cassiano, do meu avô Cassiano passou para minha mãe, Arlinda, né, que convidou a nossa prima, sobrinha de minha mãe, né, e prima minha e eu cheguei por último, né, para fazer parte dessa equipe. E que estou dando continuidade, segurei o bastão, eu estou dando continuidade, né, ao Grupo Cultural Espermacete. 

J Que linda! Obrigada, você é uma verdadeira lenda da mestra de samba, de Camaçari, né, da Bahia do Brasil. É um privilégio receber você nesse podcast. E estamos com sua filha também, né, Mileide.


Mileide Bomfim Isso! Muito bom dia a todos, todas. Meu nome é Mileide Bomfim, nome artístico: Mila Percussa. Eu tenho 27 anos, sou filha da Mestra Nildes, que comanda o Grupo Cultural Espermacete em que eu desenvolvo também no grupo, faço parte, e sou a linha da frente da área da percussão, né, sou representante também. E é isso aí.

Dona Nildes e sua filha Mileide Bomfim 

J Maravilha! É a primeira vez que temos mãe e filha, duas pessoas na entrevista, e também é a primeira vez que falamos de música nesse programa. Então, eu sei que tenho muito a aprender, e também nosso público, sobre sua história, sobre suas ações culturais, artísticas. E gratidão novamente. Então vou começar perguntando Dona Nildes, né, essa mestra grande do samba de roda da Bahia. E eu gostaria de saber: como surgiu sua participação no samba de roda? 

DN Na verdade, de pequena, eu já faço parte, né, porque venho de uma família de sambadores e sambadeiras, né, e daí, pequenina, claro, a gente não pode ir por samba porque é menino, menino não pode...né, mas a partir do momento que eu fui crescendo e entendendo, né, que eu realmente gostava e gosto até hoje do samba de roda, do samba tradicional. É o samba mesmo é que a gente samba descalço. Então, isso foi cada vez mais me mantendo e me fazendo com que o interesse encima do samba de roda crescesse mais.  

J E como virou uma tradição familiar para Dona Nildes? Você referiu a seus parentes que fizeram. Como foi na sua infância—e Mila também, que faz parte dessas gerações—crescer dentro desse âmbito e aprender esses fazeres tradicionais?

DN Pois sim. Então, minha mãe era sambadeira. Meu avô era sambador. Meu avô passou um mês no Rio de Janeiro todo cantando reis, né, e mamãe acompanhando, que era filha dele também. A partir do momento que eles viram que dava para mim já começar e também acompanhar, aí não teve, não teve...não teve jeito. Caí no samba, e até hoje nós continuamos com ele porque assim a maioria é Bomfim nesse samba Grupo Cultural Espermacete. Na verdade, a Espermacete vem de família, é dos Bomfim, é de Bomfim para Bomfim. O homem que teve nesse grupo foi meu avô, porque foi ele quem...quem começou tudo, né. Depois passou para minha mãe; quem fundou foi meu avô Cassiano, né, mas ele contava a história. Ele começou a ser cantado, né, e contar as histórias a partir da data em que passou para minha mãe, para minha prima, que elas fizeram com que virasse, se tornasse, né, um grupo que de samba mesmo, né, como ele já fazia, que ele contava mais o rei e que ele contava a história, e aí a gente fez do réis ao samba de roda. Então hoje nós cantamos reis, né, temos o terno, e aí finalizamos sempre com samba de roda. Então ficou em família. Minha mãe trouxe, já minha prima foi também, e daí eu já fui, como eu acabei de falar no instante, né? Estou segurando bastão, estou dando continuidade, já preparando Mileide também, né de mulher para mulher, já preparando Mileide também. Tenho meu filho, né, e tem as primas, que são Bomfim também e o pessoal da comunidade que eu não deixo de fora de jeito nenhum, quem quer participar, eu convido: venha, venha mesmo, aí venha valendo. 

M Então, eu, Mileide, né, não tenho nem muito o que falar porque tipo, ô, minha mãe fez essa descrição que o avô dela fundou, era sambador, aí teve a mãe dela sendo a minha avó, né, sambadeira. Ela cresceu nesse...nessa parte familiar também, com a prima dela e veio para ela e passou para mim. Então, é aquela questão, né, de felicidade em poder estar compartilhando esses momentos, eu não conheci o avô da minha mãe, né, não. Só conheci a minha avó. A mãe dela eu conheci, sim. Isso foi muito bom. A prima dela também eu cheguei a conhecer, né, e isso também para mim é muito importante, né, porque querendo ou não, eu não tinha ainda me descoberto. Não sabia o que eu queria para minha vida na verdade. Eu fui crescendo, crescendo e minha mãe sempre me colocando nesse ritmo da música. E por conta dela eu tomei esse amor, essa paixão e aí ela falou, “Não. Você tem que estar, claro. É de família, entendeu?” E eu acabei tomando para mim essa grande responsabilidade, viu? 


"Na verdade, de pequena, eu já faço parte, né, porque venho de uma família de sambadores e sambadeiras."

Dona Nildes Bomfim


J É sim. E como foi assim no dia-a-dia para pessoas que não são da cultura, como pode descrever ser sambadeira, fazer parte de uma família dessa?  É dentro de casa, é eventos, é em festas, é todo dia? Como é essa vivência?

M Na verdade, é uma vivência boa, mas ao mesmo tempo também é difícil, viu, minha filha, porque é muita coisa em mente, sabe, quando tem as coisas para resolver. Minha mãe, Mila, embora, embora, embora, e aí aquela correria e a gente deu essa parada por conta dessa pandemia, mas eu digo a você que todos os dias, né, era algo novo, independente de estar convivendo, né, resolvendo as coisas junto o tempo inteiro. Sempre era algo novo porque algo novo, eu digo para mim, porque é cada dia mais um aprendizado diferente, entende, e quando eu comecei a frequentar o grupo, foi desde pequena, né, minha mãe já me colocando no ritmo. No grupo já passei como sambadeira, né, na parte da demonstração, já passei como porta- estandarte que tem a parte em que a porta-estandarte ela demonstra, né, a nossa bandeira do Brasil. Entende? Vai demonstrado também como era, porque o grupo ele é formado em um navio, e cada parte desse navio a gente demonstra no grupo, até a parte de sambadeira também demonstra as ondas do mar. Então tudo para mim era algo novo a cada dia a cada dia. Até hoje está sendo. Eu digo que é um orgulho grande, né, estar sempre junto com minha mãe na correria de tudo para que a gente tenha, sabe, um objetivo grande, né, que o que a gente mais quer mesmo é que o grupo seja reconhecido mesmo, entende, e é isso.

J Entendi. Vocês não são apenas músicas ou dançarinas. Vocês são produtoras mesmo, né. Tem esse lado de administração, de gerenciar, de executar todos os eventos. Então é tipo um negócio familiar também, certo?

M Com certeza, isso aí. Nós quem corre atrás, minha mãe corre atrás e a gente vai lá botando, entendeu, para a gente fazer shows, para a gente demonstrar o nosso grupo, entendeu, a gente fala, né, dos objetivos, a gente fala, né, do resumo do grupo, a gente explica sobre o sobrenome do grupo, entende, então é  isso. 

J E Dona Nildes, a senhora cresceu em Barra de Pojuca em Camaçari mesmo? 

DN Não, eu sou filha de Mata de São João. Cresci um pouco em Imbassaí. Sou filha de Mata de São João, morei em Santo Antônio, né, até os meus seis...seis anos e meio eu estava lá no Santo Antônio. Depois passei para Imbassaí. Imbassaí fiquei até os meus onze anos. Com onze anos eu tive que trabalhar, né, para ajudar minha mãe. E aí pronto. A partir dessa data aí, até hoje, eu continuo correndo atrás, né, trabalhando e buscando sempre a melhoria para minha família, né, e também no capricho ali em cima do meu grupo para que nada falte e que a gente não venha a perder a nossa essência, né, venha perder as nossas raízes, as nossas tradições.

J Geralmente, assim a cultura do samba de roda é mais conhecida no Recôncavo, né. Então a senhora tem essa experiência vindo do litoral norte. Isso é interessante. Eu queria saber: como tem transformado esse cenário cultural e musical ao longo de sua vida e carreira?

"Eu digo que é um orgulho grande, né, estar sempre junto com minha mãe na correria de tudo para que a gente tenha, sabe, um objetivo grande, né, que o que a gente mais quer mesmo é que o grupo seja reconhecido mesmo."

Mileide Bomfim

DN Eu, na verdade, minha filha, entrei nesse grupo, e estou nesse grupo agora eu vejo vários outros grupos, né, de samba de roda também, que eu acho muito importante, né, e a vivência com cada mestre é de aprendizado. 

J Então cada grupo tem sua tradição. É isso? 

DN E tem seu modo diferente. Tem sua...enfim...sua…

M Seu jeitinho. 

DN Seu jeito, né, diferenciado, né, porque assim, não podem ser todos iguais. O meu grupo ele não tem harmonia de corda. É só percussão. Ele é só percussivo. É voz, percussão, palma da mão, certo? E os outros grupos, eles já vão com as harmonias de corda, né, com viola, vão. Enfim, o nosso samba, ele é mais ou menos um samba corrido, é um samba ligeiro, é um samba tradicional mesmo, certo. A maioria dos outros sambas, já é samba chula, é também tem o samba corrido. O samba chula, é como eu acabei de falar, ele, pela viola, pelo fato da viola, e as músicas deles também, que quando estão cantando, a sambadeira não pode sair para sambar. No meu caso, no caso do Grupo Espermacete, ele canta. O samba chula não tem harmonia, ele canta. O samba corrido, né, ele canta o batuque, ele canta o samba coco, como eu acabei de falar. Quando está cantando samba chula, quando está cantando uma chula, as pessoas tem que esperar a terminar de cantar para poder então ir lá, dar uma sambada, aí voltar, dar uma umbigada na outra para voltar para seu lugar e aí esperam a gente cantar de novo, ou seja, dizer um verso, é assim sucessivamente. O batuque não. O batuque você pode sambar todo tempo, entendeu, porque aí você vai lá, você samba, voltou, agora só não pode demorar muito na roda do samba. Você vai lá, sambou, voltou, deu uma umbigada na outra, a outra, já sai, [isso] o batuque, né. O samba coco por ser um samba mais devagar, um samba mais lento, mais tranquilo. Está entendendo? E assim sucessivamente. 

J Então, o objetivo familiar é continuar na mesma tradição, não inovar muito com tecnologias, essas coisas. É isso? 

DN Exato. Não mudar a tradição. Não tirar do que já vem desde o início. Se tiver que mudar alguma coisinha, assim como eu mudei um pouco, mas foi para melhorar e o grupo ele tem as músicas do meu avô, né, que eram cantando por o meu avô, mas só que quando eu fiz o CD que eu fui registrar, o próprio produtor disse que não colocassem como minha mesmo, né, do meu avô, porque não sabia pelos anos que eu já tinha, não sabia se alguém tinha chegado antes e registrado em nome, entendeu? Aí eu coloquei como domínio público, mas tem músicas minhas, tem sambas meus que eu fiz, né, da minha própria autoria, já para o Grupo Espermacete também. 


Grupo Cultural Espermacete. Camaçari, Bahia. 

J Que lindo. E Mila, você encontra assim condições possíveis para continuar essa tradição vendo as mudanças da cultura baiana e o cenário?

M Eu digo a você que com jeitinho brasileiro a gente consegue tudo, não é verdade? Eu vejo as dificuldades também. Eu não vou negar porque no ámbito da música, eu vejo muita coisa também assim... sabe...que é difícil de lidar. Entende? A parte do grupo de cultura popular...quando se diz em cultura popular, às vezes ela não é muito valorizada, né? Ela não é muito valorizada, né, dificuldade para várias coisas, entende? A gente já teve locais de ir para longe, né, outras cidades, outra coisa, a gente não conseguiu por não ter o nosso carro próprio, né, e também não conseguiu um apoio, entendeu? Para labutar na área da cultura popular, a gente tem que gostar, a gente tem que amar, a gente tem que sentir prazer pelo que faz, porque tipo se a pessoa estiver por estar, entendeu, ela desiste no meio do caminho pela dificuldade, né, pelas coisas em que a gente passa porque não é...a maioria das vezes, não é valorizado, entende, isso é a verdade. Mas eu pretendo labutar, né, minha mãe cada dia mais ela me demonstra coisas como é, como eu tenho que agir, como eu tenho que resolver, que eu tenho que ter paciência, que é uma coisa que me falta um bocado. Eu não posso negar, entendeu? Mas, então é isso. Eu vou tentar, né. Espero chegar lá, né, alcançar um dia, né, até porque, para dar orgulho também mais ainda a ela porque é um sonho dela, já vem de pequena, como ela sempre me fala, que é de geração a geração. Ela está passando essa responsabilidade para mim, então eu vou fazer o máximo, né, para que tudo dê certo. 

J Vai dar certo. Vai conseguir, já deu com toda essa sabedoria familiar não tem como dar errado. Tenho certeza disso. 

M Amém, amém. Graças a deus, com certeza. 

J Então, agora eu queria concentrar mais no grupo mesmo, Espermacete. Como desenvolveu, como foi a origem do grupo, e quais são suas atividades e objetivos hoje? 

DN A origem dele é o nome, né, o Grupo Espermacete. Antigamente com meu avô, era Espramacete. Eu só modifiquei um pouco o nome porque é o real, entendeu? Mas assim, tudo começou com um naufrágio, um navio vindo, né, com várias especiarias, né, trazendo e naufragando aqui em costa brasileira. Entre todas essas especiarias vinha a substância “espermacete”, né, que daí foi que foi gerado tudo isso, toda essa história. Então, naufraga na costa brasileira. Aí, as senhoras nativas, né, que gostavam de fazer. Gostava não, até hoje, a gente faz as tranças, os chapéus, né, esteiras, bolsas. Aí reuniam um bocado de mulheres, né, para fazer um mutirão, como chamavam antigamente, né, aquelas mulheres para fazer as tranças. E dali, através de um naufrágio que aconteceu, elas foram, né, juntando letras, contos... e enfim, para ali elas fazerem as músicas, né, e também colocar a dança, né. Como por exemplo, tem...é uma história contada e cantada.

“Espramecete japonês que nunca se viu por aqui. A temporada foi muito forte, deu na costeira do Brasil.” 

Aí foi quando o navio, né, afundou e aí perdeu todas as suas especiarias. E aí, não por uso próprio, elas foram dizendo que tinham encontrado as especiarias à beira-mar, e daí foram cantando, colocando as músicas. Cada música do Grupo Espermacete que é cantada, ela é contado, a história, entendeu? Aí vem, 

“de agosto em diante, e de agosto em diante tem que dar muito nordeste oi. Tem que dar muito nordeste. Vamos pra beira da praia, vamos pra a beira da praia procurar o espramacete, ô procurar o espramacete.

Então, está contando o que aconteceu. O que foi perdido a beira mar, né, no imaginário delas, para poder fazer as músicas e ficar uma coisa bem bonita. Então, aí o formato que a gente faz do grupo é tipo um navio mesmo, é um lado com as mulheres, outro com as mulheres sambadeiras, né, aí na cabaceira vêm os homens que são os músicos, né, os tocadores, e no final a gente sempre colocava a estandarte segurando a bandeira, entendeu, representando. E é assim, minha filha. Esse é o Grupo Espermacete, esse é nosso formato. E no final, entra com samba para todas essas músicas é a dança. A dança é diferente, né. Mas sendo em cima do mesmo patamar. Não tira nada, não sai nada. E aí para finalizar, finaliza com o samba. 

“As pastoras que estão sambando, as pastoras que estão sambando é o espermacete tá apresentando, é o espermacete tá apresentando.”

Entendeu, então. Nós apresentamos o Espermacete. Só que nos não acostumamos a, nos não acostumamos a fazer sempre o terno. Nos acostumamos a fazer mais o grupo samba de roda porque o nosso terno ele é feito no dia 6 de janeiro, 6 de janeiro a gente sai com o terno na rua. Aí vai para a porta da igreja, canta lá na porta da igreja e desce fazendo, né, a folia, fazendo, cantando as músicas. Até quando chega aqui na feira é onde a gente apresenta os outros grupos que eu convido. Vários grupos vêm para fazer parte do nosso evento.


J Que lindo! Nossa! Eu queria compartilhar o meu sorriso. Agora eu estou visualizando tudo, e eu estou louca para chegar o 6 de janeiro, um ano desse para acompanhar vocês. Que lindo, ô! E Mila, pode falar um pouco sobre suas atividades, os objetivos do grupo hoje e sua função, por favor?

M Minhas atividades é como eu sempre falo para você. É a organização, né, que a gente, que eu faço com a minha mãe.  A gente, quando tem que resolver emails, a gente resolve os emails. Quando tem ensaio, né, eu saio falando para cada integrante do...a gente tem um grupo, né, que a gente consegue se comunicar com todos eles. A gente passa as informações que tem que passar e tudo mais. O meu objetivo no grupo, o meu objetivo na verdade é meu maior sonho, que eu sei que é sonho da minha mãe. A gente realizar vários shows em lugares diferentes, andar esse mundão de meu deus aí, sabe, é a gente ser reconhecido como nós merecemos, ser reconhecido pelo trabalho em que ela desenvolve porque a minha mãe, o grupo dela, ela desenvolveu um trabalho que não é só com adultos, não é só com pessoas da terceira idade. Ela faz com crianças também, é com adolescentes, porque tipo a gente sabe o mundo em que vivemos hoje, né, querendo ou não é muito cruel, né. As coisas ruins estão muito em ativa, então ela tenta, ela oferece, né, a parte do grupo em que também ela sempre me coloca também: Mila, embora, bora fazer aqui, aí eu passo um pouco do meu conhecimento na área da percussão para os meninos, né, até um tempo também, ela: Não, vamos fazer aqui uma área só percussivo para eles aprenderem, e aí eu comecei, né, fazendo isso gratuitamente, entende? E minha mãe ela também tem a parte cultural da quadrilha junina, que ela já tem várias adolescentes, crianças também. Vamos na comunidade, ela chega na comunidade, até a galera que não é da comunidade, mas ela chama para participar e a galerinha gosta, né, são adolescentes e tudo mais. Já tem pais de família também sendo adolescentes, mas já são pais de família e também participam. Ela também desenvolveu trabalho do transado e samba de palha, né, que já é ela...ela como já vendo o antepassado, entendeu, que a senhora já constrói aquelas palhas, né, de trança e tudo. Já faz, é uma renda também quando consegue, né. Ela tem o grupo Da Mangaba, que é outro samba, em que ela fala da dificuldade das pessoas de antigamente até hoje também, né, da dificuldade para sobreviver como ia para o matagais para pegar, para catar essas mangabas, né. E aí sempre tinha pessoas dentro do mato né, é aí que ela colocou como caboclo, entende, que assustava as pessoas, as catadoras, né, para não pegar que elas mangabas, e aí as mulheres tentavam pegar as mangabas para poder botar para moquear, para amadurecer. É uma coisa muito espetacular. E ela faz dessa história no samba de roda. A gente demonstra, né. Então é isso. O nosso objetivo maior é a gente poder demonstrar todas essas nossas atividades que a gente faz com coração, a gente faz com alma, entende, a gente faz com felicidade, né, para vários e várias expandir aí, entende? 

J Estamos aqui para isso também.

M Que massa, viu? E a gente agradece muito em poder sempre estar contando com você, sabe? Foi uma pessoa que a gente conheceu e que tem a certeza que a gente admira, a gente gosta muito, a gente considera bastante, e no que você precisar, tenha certeza que pode contar conosco. Tá certo? Como você falou também da função. A minha função hoje em dia, como já citei aqui algumas vezes, que eu sou da área da percussão, do percussivo, né, e eu, eu estou de linha de frente, mas meu irmão também, né, o Vitó. Ele tem 26 anos, Vitó tem 25, 25 anos, né, e aí minha mãe colocou, né, essa responsabilidade para a gente. E fora da percussão também, eu sou representante também do Grupo Cultural Espermacete quando minha mãe não pode resolver alguma coisa, ela já me coloca, entendeu, e aí eu vou, o pouco que eu sei, eu vou e tento resolver, né, e é isso. 

J É muita coisa, um calendário cheio, né? Que lindo. Tem que ter paixão, tem que ter essa força, né, até ancestral para continuar tudo isso. É super importante e esse projeto realmente é para fazer parcerias, para ampliar culturas, líderes, mestras, que não são muito conhecidas nesse mundo que fala inglês, né? Então faço esse trabalho de tradução, de educação, e de parceria mesmo. Então, é um grande prazer. E para finalizar, eu só quero reconhecer o momento que estamos na pandemia, e eu queria saber como vocês estão passando, como está o processo de produção cultural, e o que espera do Grupo nesse processo de crescimento. 

DN Sobre a pandemia, minha filha, nós apertou muito, a gente está muito..., entendeu, porque não estamos podendo fazer absolutamente nada, nem sai a gente está podendo fazer. Também tentei ajudar meu grupo porque a dificuldade é grande, conseguia aqui pedindo, né, consegui algumas cestas básicas que já ajudei também, algumas famílias, graças a Deus. E daqui para frente, daqui por diante, eu não sei, não sei nem te dizer, como é que vai ser. Porque a situação está difícil mesmo, está precária. Eu espero, espero em Deus, né, que Deus está no comando de tudo, mas eu espero em Deus que venha uma reviravolta para o bem, né, e para que a gente possa superar tudo isso e daqui por diante...daqui por diante a gente vencer todas essas dificuldades. 

J Também. Nesse momento assim tão de crise. É difícil imaginar mesmo o futuro. E temos que lidar com o presente do dia-a-dia para superar as dificuldades que vêm cada vez mais. É pesado. 

DN  É uma luta, viu?

J É uma luta mesmo e as pessoas têm que entender a situação em que o Brasil está, né. Isso faz parte do projeto também. Temos que celebrar as conquistas mas reconhecer as dificuldades que existem ao mesmo tempo. Então, para fechar, eu gostaria de convidar vocês de fazer uma pequena música ou canto ou com palmas ou o que se tiver algo para compartilhar com a gente. Seria uma honra. 

DN Sim, eu vou cantar aqui um samba que eu fiz, né, porque assim, eu agradeço a Deus por tudo, pela oportunidade, por o que ele me fez ser hoje. Eu nunca imaginei ser uma mestra. Eu nunca imaginei ser uma mestra de um grupo e um grupo que na verdade já está por aí por esse mundão do meu Deus. Só falta a gente ir, mas o grupo já foi antes da gente.

J É, a música vai longe. 


Donda Nildes

DN Aí eu fiz em homenagem a todos os meus meninos e meninas que o grupo ele já chegou até 56 componentes. Mas aí, sabe, né, quando se fala em dinheiro, aí atrapalha muita coisa. O dinheiro é bom, é bom, mas ele também atrapalha um bocado porque você sabe como Mila falou aqui, que é dificuldade de grupos de cultura popular, é muito, é muito, é muito. E não é sempre que se tem cachê, entendeu. E a gente andou muito no zero oitocentos até porque o grupo também tem a parte, né, do social. E aí a gente tocou muito por aí no social. E as mães, né, ficavam esperando que os filhos chegassem com bolsa cheia de dinheiro, não sei o que. E daí foi tirando que disse que as crianças estavam simplesmente fazendo escada para me subir, como se eu estivesse ganhando dinheiro e não estivesse repassando, entendeu? E não é isso que eu faço. Independente se tenho ou não, eu sou bem clara. Meu livro é bem aberto. Mas assim, deixa lá, isso já passou, hoje a gente deu a volta por cima, quem quer está com a gente, está com a gente. Entendeu? E aqueles que querem vir, venham, serão muito bem-vindos e abraçados sempre que o Grupo Espermacete estiver de braços abertos para recebê-lo e fazer parte, né, das nossas atividades, das nossas conquistas. Enfim, agora assim, esse samba que eu fiz, ele...falando das minhas meninas, falando de todos os meus do grupo, que é o Xodó de mamãe. Certo? Então começa assim:   

Vovô quis me dá uma surra

Uma surra de cipó

O meu pai e a minha mãe disse que eu sou xodó  

Eu sou xodó de mamãe

O xodó de mamãe o xodó de papai 

Eu sou xodó de mamãe 

O xodó de mamãe o xodó de papai 

Eu sou xodó de mamãe 

O xodó de mamãe 

Eu sou xodó de mamãe 

O xodó de papai 

Eu sou xodó de mamãe 

O xodó de mamãe o xodó de mamãe 

Eu sou xodó de mamãe 

O xodó de mamãe o xodó de papai 

Eu sou xodó de mamãe 

O xodó de mamãe de mamãe de mamãe 

Eu sou xodó de mamãe 

O xodó de mamãe de mamãe de papai 

Eu sou xodó de mamãe 

O xodó de mamãe

Eu sou xodó de mamãe 

J Ô, que pena que não tem vídeo para ver meu sorriso. [palmas]

DN Esse samba eu fiz para todo o pessoal do grupo porque todos são meus xodós. Se eu pudesse, eu trazia todos embaixo do braço. 

J Ô, que lindo, a senhora é grande mãe. 

DN Mas estou sempre ajudando no que posso, estou sempre fortalecendo, né, chegam, pedem um conselho. Se estão precisando de algo mais e pede, eu estiver em condições, não meça a distância, já ajudei muitas crianças com documentos, hoje não pode mais que tem que ser mesmo com o pai ou mãe ou uma pessoa da família mesma, mas tem muitos meninos aqui que não tem documentos. E eu infelizmente me sinto de pés e mãos atados por não poder ajudar. Mas já ajudei muito, e no que posso ajudar, continuo ajudando. E Mila está na mesma vibe, a mesma vibe.

J Que bom, o mundo precisa de vocês, pessoas que nem vocês. 

DN Gratidão, gratidão. 

J Ô, foi lindo porque uniu, né, o tema de vocês do grupo da tradição familiar, é muito lindo o que vocês fazem. E eu até estou ficando inspirada na história de vocês. Espero que nosso público seja também. Então muito obrigada pela participação hoje.

DN Amém, nós que agradecemos, minha filha. Nós que agradecemos pela oportunidade que você está nos dando, de ser vista, né, lá fora.

J Isso. Isso, eu vou fazer meu maior esforço para expandir sua sabedoria, suas tradições e experiências que vêm dessa terra baiana tão importante para o mundo. Tenho certeza disso.  

Créditos

Agradeço muito a participação de Dona Nildes Bomfim e sua filha Mileide Bomfim nessa entrevista que foi gravada em casa entre a Pennsylvania e Camaçari em abril de 2021. 

A edição do áudio foi realizada por mim. Agradeço o apoio de nossa equipe do Brasil Culture Connections, as estagiárias da Pennsylvania State University, Amanda Talbot,  Madeleine Tenny e Belle Hattingh, também o apoio técnico de Jonatas Borges Campelo. A música se chama “Xodó de mamãe” pelo grupo cultural Espermacete. 

Por favor, nos acompanhem pelas redes @brazilcultureconnections e não esqueçam que temos as transcrições completas das entrevistas e suas traduções para o inglês em nosso site, brazilcultureconnections.wordpress.com.

Muito obrigada pela atenção, o apoio e a divulgação! Thank you very much!