EPISÓDIO 1: Viver da Arte
com Maristella dos Anjos
TRANSCRIÇÃO EM PORTUGUES
Bem vindes ao podecast Brazil Culture Connections (Conexões Culturais Brasil). Meu nome é Jamie Lee Andreson. Eu comecei esse projeto durante a pandemia como uma forma de reconectar com as redes de artistas e lideranças culturais que tive o privilégio de conhecer através de minhas associações e projetos no Brasil como pesquisadora, produtora cultural e escritora baseada em Salvador da Bahia. Todos os episódios serão transcritos e traduzidos para o inglês, disponíveis em nosso site junto com mais informações e obras dos entrevistados como uma forma de realizar pontes de intercâmbio cultural entre o Brasil e o mundo anglófono.
Hoje eu tenho o prazer de receber Maristella dos Anjos: artista plástica, pedagoga, ceramista, empreendedora e uma amiga querida do bairro Dois de Julho em Salvador, Bahia. Bem-vinda, Maristella.
Maristella: Bem-vinda doutora Jamie Lee. É um prazer. Nós nos conhecemos através desse grande, um grandioso projeto, que foi a Casa das Artes Sustentáveis que foi um projeto plantado aqui em Salvador no bairro Dois de Julho e aí nossa amizade foi se estreitando. Fomos vizinhas e você se instalou ao meu lado e a arte fez com que nós trouxéssemos essa amizade tão forte e tão sólida.
J: Eu agradeço a amizade e também você me ajudou a pensar nesse projeto que estamos iniciando hoje porque eu queria reconectar com todos os contatos dos artistas incríveis que eu tive esse privilégio de conhecer quando eu atuei como diretora e cofundadora da Casa de Artes Sustentáveis, uma residência artística localizada no centro de Salvador. E tive a sorte de ter Maristella e o ateliê dela, Mão Terra, como minha vizinha. Eu precisava muito de ter esse apoio em vários momentos porque é desafiador né ter seu próprio negócio, de ser uma empreendedora dentro desse âmbito de cultura de Salvador. E Maristella, ela me guiou, me acalmou em vários momentos e foi muito importante para mim ter esse espaço de arte, de resistência que é o ateliê de Maristella. Então queria saber mais sobre o processo de estabelecimento de seu ateliê. Como é que você começou isso, sua trajetória dentro das artes e especificamente a cerâmica.
Maristella dos Anjos e Jamie Lee no Atelier Mão Terra no Dois de Julho bairro de Salvador, Brazil.
M: Sim. Você também me encorajou bastante porque na realidade você como mulher estrangeira adentrou dentro de um universo que foi totalmente desconhecida para você. Você foi altamente corajosa. Porque além de empreendedora, você era uma estrangeira, era mulher sozinha e você abraçou. Então foi muito difícil para você num universo tão machista que nós vivemos. Então a gente se deu as mãos e seguimos em frente. Seguimos em frente. E tanto é que continuamos aí. A Casa das Artes Sustentáveis está aqui firme e forte. E vamos—estamos levando adiante. Estamos levando adiante. E quanto minha trajetória do Mão Terra já que alguns anos foi muito difícil, porque na realidade eu iniciei com a sociedade, que era de um, era eu e mais um homem. Só que eu percebi que eu estava sendo manipulada. Eu estava sendo usada. Quer dizer o que eu tinha na realidade, eu não tinha. O dinheiro. Mas eu tinha uma coisa que era muito forte: garra e um conhecimento. Desfizemos a essa sociedade. Eu levei adiante. E sempre busquei a temática das imagens sacras porque na realidade o ateliê é um espaço que tem como propósito difundir a cultura local, a cultura baiana, a cultura brasileira, que são essa mistura e a mistura do catolicismo com o candomblé com a umbanda. Existe essa junção muito forte. Tanto é que quem frequenta a igreja católica também frequenta os terreiros de candomblé e vice-versa, entendeu? É uma cidade extremamente mística, extremamente, com uma cultura muito diversificada.
"...é um bairro onde tem muitos artistas, entendeu, muitos artistas, agregamos artistas. É um bairro boêmio. É um bairro bem descontraído. É como se você estivesse no quintal da sua casa."
Maristella dos Anjos
J: Isso, isso. E como foi que você escolheu ser ceramista? Como é que foi esse processo de encontrar sua paixão?
M: Olha, na realidade sempre, desde pequena, sempre tive uma atração pela arte. Sempre tive. Eu sou oriunda de uma cidade pequena, do interior da Bahia, que é norte da Bahia. Fica mais ou menos 383 quilômetros de Salvador. Lá é uma cidade que não se disponha de nada. Você assim, você não tinha oportunidades para desenvolver seus trabalhos. Quando vim morar aqui em Salvador, essa vontade ficou latente dentro de mim. Mas na realidade eu busquei outras formas de sobreviver. Porque na realidade você sabe que as pessoas pensam que a arte não dá dinheiro. Mas a arte dá algo que o dinheiro não pode comprar. E foi isso que eu vim buscar, entendeu, foi isso qE quando comecei a trabalhar com a arte então a primeira coisa que senti vontade foi realmente fazer isso—a trabalhar com essas energias mais fortes, porque o barro está muito associado a terra, a natureza. É na natureza, são os orixás, é nanã. Então comecei a trabalhar. Então isso me deixa muito envolvida. Muitas vezes estou no ateliê trabalhando eu sinto cheiro de charuto, eu sinto cheiro de determinadas folhas, eu sei que são as existências dos orixás. São eles que movem a minha vida. Inclusive, não só a minha, a muitas pessoas que dou suporte, seja suporte material, seja suporte espiritual, seja suporte psicológica. Devido a eles, eles são o que me fortalece. Inclusive nesse processo da pandemia eu comecei a trabalhar uma Iemanjá. Em seguida, foi a primeira vez que eu fiz essa imagem, foi de um babalorixá, jogando os búzios.Foi da ocorrência da pandemia. Foi forças que fui buscar. E eu posso ser sincera. Eu tenho passado assim, tranquilamente. Tranquilamente, sem desespero, sem isso, sem aquilo. Como eu estou trabalhando normalmente, trabalhando bastante. Eu trabalho de domingo a domingo. E isso tem me fortalecido bastante. A minha cabeça está ótima. Ótima. Eu deletei tudo de negativo. Não vejo televisão, coisas negativas. Não preciso disso. Eu preciso de coisas que alegram minha alma. Porque eu preciso estar bem para fazer outras pessoas melhores ainda. Ótima. Eu deletei tudo de negativo. Não vejo televisão, coisas negativas. Não preciso disso. Eu preciso de coisas que alegram minha alma. Porque eu preciso estar bem para fazer outras pessoas melhores ainda. Ótima. Eu deletei tudo de negativo. Não vejo televisão, coisas negativas. Não preciso disso. Eu preciso de coisas que alegram minha alma. Porque eu preciso estar bem para fazer outras pessoas melhores ainda.
J: Isso. A arte é cura, né, para todos nós também. Que bom. Olha, já tocamos um pouco no assunto, mas eu queria saber se você tem algo para falar sobre os desafios de ser uma mulher empreendedora artesã e porque é importante ter uma visão feminina nesse âmbito.
M: Olha, os desafios são muitos. Primeiro, você, eu estou na frente de um empreendimento sozinha. Eu faço todo o processo de meu trabalho sozinha. Eu lavo, eu lavo o chão, eu lavo o banheiro, eu faço tudo. Eu sento, eu faço meus projetos. Eu faço a parte contábil. Tudo eu faço. Então a partir do momento que nesse universo machista, você depara com uma mulher, negra, sem dinheiro, então isso vem muitas pessoas em cima de você. Principalmente grandes empresários para poder tirar alguma coisa de você. “Ah, eu quero, esse trabalho seu é mais ou menos… É bonzinho.” É isso aquilo. Justamente para que? Para você, sua autoestima cair e ele poder fazer o que ele gosta—pegar um trabalho seu e vender por trêsvezes, quatro vezes mais o valor do que você cobra. Mas eu sou muito segura com relação a isso. Inclusive, hoje, depois da pandemia, isso me abriu,antigamente tinha muitos trabalhos meus em algumas lojas, que eu tinha deixado como consignação. Mas eu não tenho necessidade disso. Nós temos aqui as redes sociais, pra que eu vou deixar o meu trabalho numa loja, se eu posso deixar no meu espaço físico, se eu tenho, e eu tenho o mesmo valor nas redes sociais, então não há necessidade de isso. Eu acredito que muitas pessoas e muitas mulheres estão trabalhando dessa forma e estão pensando dessa forma. E eu acho que vai chegar o momento em que esses grandes empresários vão deixar de existir. Porque nós temos a nossa rede social que nos ajuda bastante a relação a isso. Porque é um trabalho que é feito entre o cliente e o artista. E há uma aproximação, há um afeto. Essa semana mesmo, eu fiz um trabalho que eu mandei para Belo Horizonte. Um rapaz conheceu meu trabalho,a minha. Então quando eu fui, quando comecei, as portas se fecharam. Foi difícil mesmo manter, pagar aluguel. Foi extremamente difícil. Mas eu consegui inclusive dar aulas. Sem ter um forno. E eu consegui a queimar as peças dos alunos na data certa, mantém sempre assim um cronograma. Depois de três anos que eu consegui adquirir um forno, porque fiz um empréstimo, mas foi muito interessante que a minha primeira mesa eu utilizei como toda artista, eu utilizei uma porta, uma porta velha emprestada. E aí eu fiz uma mesa. E eu fui trazendo os alunos. Eu trabalhava de segunda a sábado os três horários justamente para poder manter aquele aluguel, manter as coisas, até as coisas, até as pessoas conhecerem meu trabalho que foi se ampliando, se ampliando. Hoje eu dou só as aulas só aos sábados porque a demanda é muito grande. Preciso produzir. Eu preciso restaurar. Eu preciso fazer outras atividades dentro do meu contexto para poder me manter.
J: Eu acho que você é uma inspiração muito importante para mulheres artistas e empreendedoras mais novas né (no meu caso) porque eu queria entender como foi sua trajetória assim: em que idade? em que processo da vida você se sentiu “ah eu vou me dedicar cem por cento porque acredito em mim e porque eu tenho algo para oferecer a esse mundo?”
M: Olha, eu sempre fui muito otimista. Mesmo que a pessoa diga assim pra mim, “não”, eu sempre digo “sim”. Eu confio muito em mim. Pode ser até uma prepotência para algumas pessoas, mas eu não me preocupo. Porque as pessoas pensam assim viver de arte, a arte não dá dinheiro, mas eu não me preocupo com isso, com esse contexto. “Ah seu trabalho é assim assado.” Eu tenho tanta confiança em mim que não me preocupo com a visão de outras pessoas. Então na realidade, eu comecei a trabalhar minha cabeça desde adolescente. Vim morar aqui em Salvador, foi muito complexo. Foi muito difícil, mas todos os desafios que vinham eu tentava, eu tentava resolver. Porque realmente se você não resolve esses problemas que surgem, você se sente como uma pessoa derrotada, e eu não sou uma pessoa derrotada. Eu fico às vezes, quando eu paro e olho o meu trabalho eu digo, ‘poxa, como é um espaço, um espaço que eu trabalho físico é pequeno porém eu tenho um trabalho gigantesco. Ele é universal.’ Olha ele é tão universal que em 2013, tinha um grupo de professores de uma universidade dos Estados Unidos, a cidade Indiana. Eles começaram a fazer um trabalho de pesquisa em 2007. Em 2013, eles queriam uma mulher, porém que tivesse essas minhas caraterísticas que trabalhasse com santos, com os orixás, e eles chegaram até a mim. Desse processo saiu um livro, e desse livro, um cineasta holandês. Ele ficou tão assim encantado com essa minha forma de lidar com a religião que esteve aqui em Salvador e fez um documentário sobre meu trabalho. tinha um grupo de professores de uma universidade dos Estados Unidos, a cidade Indiana. Eles começaram a fazer um trabalho de pesquisa em 2007. Em 2013, eles queriam uma mulher, porém que tivesse essas minhas caraterísticas que trabalhasse com santos, com os orixás, e eles chegaram até a mim. Desse processo saiu um livro, e desse livro, um cineasta holandês. Ele ficou tão assim encantado com essa minha forma de lidar com a religião que esteve aqui em Salvador e fez um documentário sobre meu trabalho. tinha um grupo de professores de uma universidade dos Estados Unidos, a cidade Indiana. Eles começaram a fazer um trabalho de pesquisa em 2007. Em 2013, eles queriam uma mulher, porém que tivesse essas minhas caraterísticas que trabalhasse com santos, com os orixás, e eles chegaram até a mim. Desse processo saiu um livro, e desse livro, um cineasta holandês. Ele ficou tão assim encantado com essa minha forma de lidar com a religião que esteve aqui em Salvador e fez um documentário sobre meu trabalho. Ele ficou tão assim encantado com essa minha forma de lidar com a religião que esteve aqui em Salvador e fez um documentário sobre meu trabalho. Ele ficou tão assim encantado com essa minha forma de lidar com a religião que esteve aqui em Salvador e fez um documentário sobre meu trabalho.
Maristella dos Anjos trabalhando em seu Atelier Mão Terra no Dois de Julho bairro de Salvador, Brazil.
"Salvador é um museu á céu aberto ."
Maristella dos Anjos
J: É, é universal mesmo. É incrível, e eu também amei acompanhar você como professora porque todo sábado de manhã eu me levantava, saia. Geralmente tinha evento na casa em sexta-feira. Eu tinha que fazer café da manhã para os hóspedes.
M: Exatamente, acordar muito cedo. Muito cedo e dormiu muito tarde, né. Você lembra que às vezes você chegar, quando você estava escrevendo seu livro, doutora, quantas vezes você chegou assim muito tensa assim. Você se sentia assim sufocada mesmo né porque não tinha espaço. A sua privacidade assim levava porrada.
J: Isso foi o sacrifício que eu fiz, mas eu não fiz só. Eu fiz com meu parceiro né Jonatas Campelo. Vou dizer que ele acordou mais manhãs para fazer o café do que eu, mas geralmente sábado, sexta foi tão louca que eu fui a única de lembrar de acordar sábado e aí eu saia e olhava Maristella já trabalhando, preparando o ateliê, aquele sol batendo. Aí eu fiquei inspirada. Eu estou fazenda a coisa certa. Eu vou ali para pegar minhas frutas na feira de Dois de Julho para pegar o pão, um bolo de aipim, uma banana, um real, né, que sai, do mesmo prédio que você. E aí você me inspirou muito assim de continuar de saber que era possível viver da arte né que é o tema que queremos falar hoje. E como viver da arte não é só buscar o dinheiro, mas é saber que o que está fazendo está contribuindo ao mundo e que você tem algo único para oferecer.
M: E falando de Jonatas Campelo, que eu sempre conversei com ele sobre isso que ele tem uma das profissões mais difíceis do mundo: é fazer sorrir. Ele com o Palhaço Capvara, gente, como é que você consegue, consegue tirar sorriso num mundo tão capitalista, um mundo tão cheio de dores. E ele consegue fazer isso. Para mim isso é uma das profissões mais difíceis do mundo, é o ser palhaço. E ele consegue de uma forma lindíssima e altamente corajosa. Vocês fizeram esse projeto.
J: Obrigada, sim, estamos levando porque também é universal, e esse mundo inteiro está precisando da esperança dos artistas que dizem: “eu não vou viver minha vida prestando serviços para as grandes empresas apenas, né.” Decidi o que nós queremos fazer com nosso tempo e como nós queremos relacionar com outras pessoas, e é isso que estamos fazendo agora, né.
"Para você fazer um trabalho de arte, você tem que estar com sua alma limpa ."
Maristella dos Anjos
M: Esse processo mesmo da pandemia foi muito interessante, na realidade é a primeira vez, eu nunca tirava férias, quer dizer, eu nunca ficava sem trabalhar. Assim, não ficava fora do ateliê. “Ah eu vou tirar férias.” Eu nunca tirava férias. Mas neste momento, eu tirei, não foi férias, na realidade foi um momento para mim. Eu entro dentro da minha arte, arte da minha vida. É uma coisa extremamente subjetiva, e eu comecei a falar com outras pessoas. Esse processo da pandemia, nossa, quantas pessoas vieram até mim. Quantas pessoas trocamos ideias, momentos difíceis, tudo por quê? Por causa da arte. Então elas vieram a mim, elas sabem, a gente, nós que somos artistas vivemos da arte, a gente trabalha muita a alma. Porque no primeiro momento as pessoas preocuparam com o alimento, se preocuparam com o dinheiro, mas o que equilibra nós os seres humanos é a alma. Você tem que estar com a alma bem para que você possa enfrentar os problemas da vida. Isso te dá um equilíbrio, entendeu. E isso trouxe muito muito para meu trabalho. Eu lidei com muitas pessoas. Inclusive teve uma moça da Itália. Ela é brasileira. Ela estava lá nesse processo da pandemia, só que ela estava sem dinheiro. Ela já estava desesperada. Você acredita que comecei a conversar com ela, hoje nós somos super amigas. Eu estou acreditando muito que depois que passa essa fase, essa limpeza espiritual, essa limpeza universal, as coisas vão estar bem melhor para todos nós.
J: Eu acredito também. Eu acho que muitas pessoas estão buscando isso dentro de si, e quem não teve a prática está um pouco para trás.
M: Exato. É isso mesmo. É isso mesmo, Jamie.
J: Nós artistas já sabemos o que fazer com tempo
M: Você não para nenhum momento só. Pelo contrário, esse processo da pandemia aumentou a quantidade de trabalhos pra mim, entendeu, porque têm muitos projetos e estou trabalhando bastante, porque tenho certeza de que quando tudo isso passar, lógico que nada dura para sempre, muitas pessoas vão querer nos conhecer, vão querer falar com a gente pessoalmente. Entendeu? Eu estou me preparando para isso, para receber todos de braços abertos, falar mais sobre meu trabalho, apresentar meu trabalho, mostrar, entendeu?
J: Que bom. Então, tem outro tema muito forte em sua arte e também em nossa conexão que é o lugar do sagrado. Eu queria saber como é para você trabalhar o sagrado em barro nas suas mãos no corpo na construção desses objetos tão fortes.
Os orixás, Iemanjá, Preto Velho, Oxóssi, Iansã, Oxum, Oxumarê, Xangô
M: Eu sempre estudei em colégio de Freiras na minha cidade. E na minha cidade, não é cultural o candomblé, muito menos a umbanda. As pessoas ainda têm um certo preconceito. Quando vim morar aqui em Salvador, eu tinha mais ou menos 14 anos, e eu fui pra um, eu tenho uma tia e ela era envolvida no axé. E coincidentemente eu cheguei na casa dela numa quinta-feira. Eu vi uma sessão, que falava sessão, mas os tambores começaram a tocar. Você acredita—fiquei tão encantada com aquilo que parece, eu nunca tinha vista na minha vida. Eu estava ali dentro. Ali era minha casa, ali eu me sentia assim: a própria. Quando vim morar em Salvador, eu tava com mais ou menos 18 anos. Então comecei a frequentar muitos lugares assim, conhecer e fazer amizades e tudo. Sempre fiz isso. E quando comecei a trabalhar com a arte então a primeira coisa que senti vontade foi realmente fazer isso—a trabalhar com essas energias mais fortes, porque o barro está muito associado a terra, a natureza. É na natureza, são os orixás, é nanã. Então comecei a trabalhar. Então isso me deixa muito envolvida. Muitas vezes estou no ateliê trabalhando eu sinto cheiro de charuto, eu sinto cheiro de determinadas folhas, eu sei que são as existências dos orixás. São eles que movem a minha vida. Inclusive, não só a minha, a muitas pessoas que dou suporte, seja suporte material, seja suporte espiritual, seja suporte psicológica. Devido a eles, eles são o que me fortalece. Inclusive nesse processo da pandemia eu comecei a trabalhar uma Iemanjá. Em seguida, foi a primeira vez que eu fiz essa imagem, foi de um babalorixá, jogando os búzios. Foi da ocorrência da pandemia. Foi forças que fui buscar. E eu posso ser sincera. Eu tenho passado assim, tranquilamente. Tranquilamente, sem desespero, sem isso, sem aquilo. Como eu estou trabalhando normalmente, trabalhando bastante. Eu trabalho de domingo a domingo. E isso tem me fortalecido bastante. A minha cabeça está ótima. Ótima. Eu deletei tudo de negativo. Não vejo televisão, coisas negativas. Não preciso disso. Eu preciso de coisas que alegram minha alma. Porque eu preciso estar bem para fazer outras pessoas melhores ainda.
J: Isso. A arte é cura, né, para todos nós também. Que bom. Olha, já tocamos um pouco no assunto, mas eu queria saber se você tem algo para falar sobre os desafios de ser uma mulher empreendedora artesã e porque é importante ter uma visão feminina nesse âmbito.
M: Olha, os desafios são muitos. Primeiro, você, eu estou na frente de um empreendimento sozinha. Eu faço todo o processo de meu trabalho sozinha. Eu lavo, eu lavo o chão, eu lavo o banheiro, eu faço tudo. Eu sento, eu faço meus projetos. Eu faço a parte contábil. Tudo eu faço. Então a partir do momento que nesse universo machista, você depara com uma mulher, negra, sem dinheiro, então isso vem muitas pessoas em cima de você. Principalmente grandes empresários para poder tirar alguma coisa de você. “Ah, eu quero, esse trabalho seu é mais ou menos… É bonzinho.” É isso aquilo. Justamente para que? Para você, sua autoestima cair e ele poder fazer o que ele gosta—pegar um trabalho seu e vender por três vezes, quatro vezes mais o valor do que você cobra. Mas eu sou muito segura com relação a isso. Inclusive, hoje, depois da pandemia, isso me abriu, antigamente tinha muitos trabalhos meus em algumas lojas, que eu tinha deixado como consignação. Mas eu não tenho necessidade disso. Nós temos aqui as redes sociais, pra que eu vou deixar o meu trabalho numa loja, se eu posso deixar no meu espaço físico, se eu tenho, e eu tenho o mesmo valor nas redes sociais, então não há necessidade de isso. Eu acredito que muitas pessoas e muitas mulheres estão trabalhando dessa forma e estão pensando dessa forma. E eu acho que vai chegar o momento em que esses grandes empresários vão deixar de existir. Porque nós temos a nossa rede social que nos ajuda bastante a relação a isso. Porque é um trabalho que é feito entre o cliente e o artista. E há uma aproximação, há um afeto. Essa semana mesmo, eu fiz um trabalho que eu mandei para Belo Horizonte. Um rapaz conheceu meu trabalho, e ele me pediu uma determinada imagem que foi o Ogum de Lei. Mandei a peça perfeita. Tenho outro trabalho pra fazer que é um caboclo para uma senhora do Rio de Janeiro. Então, por que eu vou utilizar um espaço de terceiros para ser explorada? Se eu tenho meu próprio espaço.J: É isso que oferece né a independência.
M: Exatamente.
J: Isso. muitas mulheres precisam mais independência, mais autonomia.
M: Exatamente. E outra coisa Jamie, as pessoas não precisam estar com um homem. Você não precisa de uma segurança para você dizer sim ou não. Você tem que ser dona da sua vida. Você é um indivíduo. Você é única. O ser humano é único. As pessoas têm que sair disso. E também é elevar sua autoestima. Outro fator eu acho importante, o que eu faço, acredito muito no meu trabalho, mas eu não me acomodei. Eu estudo o busto. Eu estou sempre agregando elementos a meu trabalho, entendeu, você tem que estar sempre evoluindo, sempre crescendo.
J: Você inspira, me inspira para fazer isso. Acho que vai inspirar muitas outras de ir para frente, acreditar em si né ter essa autoconfiança.
M: Nós precisamos disso porque nós estamos vivendo em um mundo ainda mais machista do que antigamente, da época das nossas mães. Porque hoje o homem hoje ele não agride ela trancando dentro. Ele já ter matado. Ele já não se sente. A força da mulher é tão grande que ele quer destruir que tirar ela do espaço de qualquer forma. Então você tem que ter essa consciência. Eu sou forte, sou única, posso, eu sou talentoso, sou inteligente, eu gosto de investir no meu trabalho. Eu tenho que estudar porque isso também é muito importante. Você tem que estar sempre estudando, sempre buscando, somando ao que você já tem, ao que você já sabe.
Baianas, por Maristella dos Anjos
J: Obrigada por essa mensagem muito importante reforçar na vida das mulheres novas, jovens porque eu tenho que dizer isso todo dia para ir para frente lembrar. E você reforçando isso é super importante para nós, e sendo um modelo né um exemplo de uma mulher guerreira que vive da arte que eu acho que é o sonho de muitas.
M: Eu também te agradeço muito, Jamie, porque na realidade a arte é você pra viver bem, não precisa você ter de juntar fortunas. Você tem que estar equilibrada. Tanto espiritualmente quanto financeiramente. Você pode viver muito bem. Porque às vezes as pessoas pensam em querer, aí eu quero o último carro do ano, quero isso, gente você precisa estar, ter uma casa, você precisa ter um carro, você precisa simplesmente ter o que trabalhar. Pronto. Viver bem. Tranquila. Você precisa da sua paz de espírito.
J: A simplicidade leva muito longe.
M: Com certeza, com certeza, doutora Jamie Lee. Porque na realidade você percebe que é uma insatisfação consigo mesmo. Você nunca vai estar cem por cento bem. Porque você sempre tá buscando o material. Aí tem um cunho psicológica sobre isso. Embora filtrar isso na cabeça daquela pessoa. Que aquela pessoa é fraca, é isso é aquilo. Ela tem que saber que ela tem necessidade disso e ela não tem necessidade de nada, apenas estar bem com ela mesma.
J: Eu acho que já estamos falando desses desafios da pandemia, e eu queria saber porque eu não estou em Salvador, eu saí de Salvador em dois mil...o final de 2018 eu voltei para o lançamento de meu livro em 2019. Eu tive que fechar a sede física da Casa que agora eu entendo foi importante porque foi antes da pandemia que eu não sabia que iria chegar, e seria muito mais difícil tentar lidar com isso durante esse momento.
M: É, mas sua Iemanjá tirou você dessa situação. Sabia?
J: Eu concordo, acho que foi muito importante.
M: Foi incrível, foi muito incrível. Incrível.
J: Estamos vendo como remontar esse projeto com mais organização, mais propósito.
M: Você adquiriu muita experiência. Então essa experiência vai te dar muita força a vocês pra vocês seguir em frente. Como está seguindo mesmo, né, essa divulgação, essa amostragem em relação a Casa de Artes Sustentáveis.
J: Sim. E a ideia desse podcast é fomentar as redes que foram construídas nesse processo de atuar na residência artística no bairro Dois de Julho, mas recebemos pessoas do mundo inteiro, de Salvador inteiro, da Bahia. Então foi uma troca, um intercâmbio cultural muito forte que eu como doutora estou comprometida de fazer essas traduções, essas pontes. Então queria saber de você como você vê o futuro do cenário cultural de Salvador e as mudanças e como nós podemos agir dentro de tudo isso.
M: Salvador é uma cidade que vive exclusivamente do turismo. Nós aqui não temos grandes empresas. Não temos grandes fábricas. Então é uma cidade que vive do turismo e serviços. Então tá realmente aquela coisa mesmo parada. Porém, eu acredito que com a retomada, quando isso tudo acabar, vai demorar sim. Porém eu acredito que Salvador vai ser um foco. Porque muitas pessoas, pelo fato de Salvador ser uma cidade litorânea, é uma cidade que é um museu ao céu aberto. Muitas pessoas vão querer conhecer Salvador. Então eu acredito num futuro próximo. No momento está extremamente muito complexo. Está muito difícil. É muitas pessoas pedindo, é você ver muitos mendigos, muitas crianças na rua. Você vê a criminalidade aumentou bastante. Mas isso em decorrência dessa situação que nós estamos vivenciando. Eu acredito que não está apenas Salvador, mas está sendo uma coisa geral.
J: Está geral mesmo.
M: Tá muito difícil mesmo. Eu acredito num futuro melhor. Acredito sim.
J: Temos que acreditar. Maristella você tem alguma pergunta para mim? Eu quero pensar como podemos apoiar uma outra da frente.
M: Sim, eu pensei Jamie, doutora Jamie Lee, quando tudo isso passar eu acho que tem muitas pessoas que vão ficar sentir a necessidade de conhecer essa cultura, essa mistura, né. Você que já morou aqui em Salvador sabe como é, como é esse processo, essa diversidade cultural que é muito grande. Porque quando você fala do Brasil, as pessoas o associam sempre a assim o futebol, a capoeira, a dança, mas nós temos…
J: Samba.
M: É o samba. Mas nós temos um outro tipo de cultura. Temos uma diversidade muito grande. Então muitas pessoas vão querer conhecer Salvador. Então a partir desse momento de repente a gente pode fazer uma parceria. E trazer essas pessoas para fazer essas vivências com a cerâmica, fazer vivências com outras artes, que seria bem interessante dentro da casa, da Casa de Artes Sustentáveis, ou, temos também o espaço o Ateliê Mão Terra.
J: Isso. O ateliê está em Salvador firme e forte na pessoa de Maristella dos Anjos: artista empreendedora, resistente, uma inspiração para todos nós. Então com certeza estou comprometida de fazer essas pontes, de levar pessoas daqui para conhecer seu ateliê, seu trabalho. Temos um site para acompanhar esse podcast onde tem exibições das obras das artistas e biografias. Pode entrar em contato comigo. Eu vou ter a tradução dessa entrevista em inglês também para oferecer acesso a seu trabalho para esse mundo de fala inglês, que é um mundo grande. Também importante de ter essa representação nessas redes. Então estou aqui para facilitar isso. Muito agradecida. Queria tomar esse cafezinho no seu ateliê, sentir o barro, o forno, ver o processo, a próxima obra porque é muito muito importante na minha vida ter você como amiga.
M: Minha querida, aproveito a oportunidade pra te agradecer. E agradecer também ao universo por ter trazido você para esse meu mundo. A todos vocês, a você, seu companheiro, Jonatas Campelo, e desejo a todos um grande axé. O melhor, tudo de bom que pode existir em termos desse universo, eu desejo a todos. Foi um imenso prazer mesmo. J: Muito obrigada. Então com isso, fechamos nosso primeiro episódio do Brazil Culture Connections. Acesse nossa Instagram e o site. Acesse também
M: Instagram: AtelieMãoTerraSalvador.
J: Salvador. Não esqueça. Salvador. Por favor compartilhe em suas redes esse episódio e acompanhe para o próximo. Muito obrigada.
M: Muito obrigada Jamie. Um grande beijo, um grande abraço e muito axé.
J: Até a próxima.
M: Até o próximo.
J: Esse episódio foi gravado por Jamie Lee Andreson na Pensilvânia nos Estados Unidos e Maristella dos Anjos em Salvador, Brasil. Agradecemos seu apoio técnico oferecido por Jonatas Borges Campelo e os sobrinhos de Maristella, Danilo dos Anjos Campelo e Isaac dos Anjos Matos, que facilitaram os equipamentos para a gravação. A edição do áudio foi realizada por mim. Agradeço o apoio de nossa equipe de Brazil Culture Connections: as estagiárias da Pennsylvania State University, Amanda Talbot e Madeline Tenny. A música se chama Brazilian Capoeira Dance pelo Akashic Records com uso livre. Aguarde mais um episódio no próximo mês. E nos acompanhem nas redes. Muito obrigada. Thank you very much.